"Abençoado seja o Humano que busca Deus à sua própria maneira, ainda que eles estejam em algum prédio, entoando canções ou cultivando doutrinas, que podem ser fabricadas pelo homem.
Na realidade, eles empregam todo o seu coração e a sua compaixão, na busca de Deus.
Que eles não sejam julgados por seus irmãos e irmãs, por este motivo, pois são igualmente amados por Deus."

domingo, 10 de julho de 2011

A História de Michael Thomas e os Sete Anjos V

A Segunda Casa


Não passou muito tempo sem que Mike tivesse notado que se tinha produzido uma mudança na forma do que estava habituado até então. Avançava facilmente pelo caminho e nunca pensou que poderia vir a enfrentar algum tipo de escolha quanto ao caminho a tomar. Alem disso estava perturbado, porque intuitivamente tinha a sensação de estar a ser observado.
Apercebeu-se então claramente que, adiante, se apresentava uma situação problemática: havia uma bifurcação no caminho que o obrigaria a escolher entre dois rumos a seguir para chegar à Casa seguinte. Encolheu os ombros e deteve-se um pouco, observando o que tinha na sua frente. Pensou:
- O que é isto? Como posso conhecer o caminho nesta estranha terra de anjos e Casa coloridas?
Não esperava obter resposta, dado que as perguntas eram retóricas e tinha-as feito a si mesmo; não obstante,preocupava-se. E, naquele preciso momento, recordou-se do mapa.
Sentou-se à beira do caminho. Tinha posto o mapa na mesma bolsa que levava o pão, e estava a pensar tirá-lo quando quase desmaiou com o mau cheiro que vinha do interior da bolsa. Interrogou-se:
O que é que está podre aqui dentro?
Cheirava tão mal que esteve quase a não querer averiguar qual era a causa de semelhante pestilência.
Como, indiscutivelmente, era um odor orgânico, deduziu que se trata do pão; e não se enganou. Com cuidado, pegou no mapa, tratou-o com o cuidado adequado de um precioso presente, e com a esperança de que o mau cheiro não tivesse danificado aquele objecto sagrado mas aparentemente inútil. O mapa estava inteiro, mas o pão e os bolos não. Despejou todo o conteúdo da mochila no chão e estremeceu com o que viu.
Ali estavam as sobras do pão e dos bolos, completamente podres, como se tivessem sido expostas às intempéries
de uma chuvosa selva tropical. Os pútridos restos estavam cobertos de bolor. Foi então que descobriu os primeiros e únicos insectos nesta terra estranha. E havia-os aos milhares! Parecia um criador de minhocas. Mike deixou cair a bolsa e levantou-se num salto. «O pão não apodrece!», pensou. «E aqui não há carne morta! Como é possível?» Além disso, só tinha deixado a Casa Azul há tão poucas horas. Nem sequer a carne se podia decompor de forma tão contundente. O que está acontecendo ali?
Tapando o nariz, aproximou-se para observar com mais atenção. No chão, a massa negra fervia de minhocas e continuava a degradar-se perante o seu olhar. Observou como as pequenas e repugnantes criaturas devoravam os restos da asquerosa massa decomposta. E assim aconteceu com a totalidade dos restos! Perante o espectáculo, o estômago de Mike revolveu-se e virou a cabeça, para evitar tão repugnante visão.
Nesse momento, chamou-lhe atenção algo que estava atrás de si.
«Sim, há algo ali!». Sabia que, anteriormente, tinha visto algo verde e confuso que desaparecia da sua vista e se camuflava entre a vegetação. Mike sentiu calafrios que lhe percorreram a coluna de alto a baixo. Intuitivamente, tomou consciência do perigo a que se expunha se fosse observar o que era aquilo, de forma que ficou quieto. Uma bifurcação do caminho? Um animal ou criatura ou o que quer que fosse que estava a segui-lo? O que estava a acontecer neste lugar sagrado? O que tinha acontecido ao pão?
Mike voltou-se para ver de novo a abominável asquerosidade que estava no caminho, e então apercebeu- se de que estava a ver um monte de pó! Já não havia minhocas, nem pão, nem mau cheiro. Tudo tinha voltado regressivamente às suas origens básicas, e o suave vento que soprava estava começando a dispersar esse pó.
O que significava tudo aquilo? Mike lembrou-se que o anjo o tinha advertido para não guardar nenhum alimento. Mas jamais imaginara que isso também se aplicava a um pequeno lanche para o caminho! Seria possível que o que os produtos que havia nas Casas fossem de alguma forma diferentes e não pudessem conservar-se durante o caminho? Olhou então para o mapa com preocupação e cuidado com medo de tocar nalguma minhoca que tivesse ficado agarrada. Mas o mapa estava limpo, tal como o tinha guardado na bolsa.
E não conseguia entender como não se manchara por ter estado junto da comida. Então decidiu fazer outra prova: pegou na bolsa olhou e, com algum receio, cheirou-a. Não restava nada da horrível pestilência que lhe tinha agredido o olfacto há minutos atrás. Mike não tinha a menor ideia do que acontecera, mas aprendeuuma valiosa lição: durante a sua viagem, jamais voltaria a levar comida de nenhuma Casa.
De novo, viu que algo se movia atrás de si! Os alarmes começaram a tocar na sua cabeça. Põe-te em marcha!
Mike sentiu-se desesperado e, instintivamente, desenrolou o mapa com a esperança de encontrar uma pista para o caminho a seguir na bifurcação. No mapa, lá estava outra vez o ponto vermelho com a inscrição «Estás aqui!», mostrando simplesmente a sua posição actual, e nada mais. A bifurcação nem sequer aparecia no inútil objecto!
- Maldição! – exclamou, em voz alta. Evidentemente, este impropério estava completamente deslocado nesta terra, mas reflectia a frustração que sentia.
- Que raio de mapa me deste, Azul!
Uma vez mais, Mike detectou movimento atrás de si. Essa coisa, ou o que quer que fosse, estava a aproximar-se? Porque não podia vê-la? Como se movia tão rapidamente? O que era? E como, nesse momento, os sensores de alarme do cérebro de Mike assinalavam «Alarme de Pânico», levantou-se num salto e começou adirigir-se para a bifurcação, vigiando por cima do ombro. Mas a fugaz sombra não deu sinais de vida. Comopodia ela saber com tal exactidão o momento em que Mike olhava por cima do ombro? Cada vez que o fazia, Mike acelerava o passo e avançava a grande velocidade. A presença que o perseguia sempre acompanhava oseu ritmo. Cobriu os trezentos metros que o separavam da bifurcação com uma velocidade maior do que a
que tinha desenvolvido desde o início da viagem por esta enigmática terra. Sentia-se aterrorizado.Deste modo, chegou rapidamente à bifurcação, cansado, devido tanto ao esforço para manter o passo rápido como ao seu próprio medo. Chegou ao cruzamento dos caminhos sem nenhum indício sobre que direcçãotomar, sentindo-se muito perturbado pela indecisão. Parou na encruzilhada, cheio de pânico, e gritou desesperado para as nuvens.
- Azul! Que caminho tomo?
Como, na realidade, Mike não esperava que Azul respondesse, ficou emocionado quando a suave voz que parecia emanar de sua cabeça lhe respondeu:
- Rápido Michael usa o mapa!
Mike não estava com disposição para questionar se a pergunta era certa ou não, pelo que repetiu exactamente a mesma acção anterior: desenrolou o mapa tão rápido quanto pode e o ponto vermelho dizia «Estás aqui» indicava o mesmo lugar no centro do mapa. Mas... Um momento! O que era aquilo que estava ali?
Mike examinou com mais detalhe, e varias gotas de suores caíram sobre o pergaminho.
O ponto mostrava agora a bifurcação! Dado que, naquele preciso momento se encontrava na encruzilhada, o mapa mostrava essa actualização. A mente de Mike não se deteve para captar o humor que havia no significado que o anjo dera à palavra. Todavia examinou o mapa e, desta vez, viu que, junto da encruzilhada, uma seta assinalava claramente direita!
Mike nem vacilou, enrolou o mapa e tomou o caminho da direita, que subia por uma pequena colina. Continuou pela retaguarda, olhando para atrás com frequência, porque percebia, sabia, que o seu perseguidor estava por ali escondido. A indefinida figura verde saltava rapidamente de rochas a arbustos, e acertava o passo com o de Mike, acelerando quando este acelerava. Mike respirou aliviado quando chegou ao alto da colina, porque avistou uma Casa. Sentiu que a salvação estava ao alcance da sua mão. Sem deixar de prestar atenção ao que o seguia, acelerou o passo e desceu a correr o caminho que o levava ao lugar onde sabia
que encontraria segurança, refúgio e comida. O ente vil e sinistro, que perseguia Mike, estava furioso! Se Mike tivesse hesitado um pouco mais, Aquilo tinha-o apanhado! Estava furioso porque tinha desperdiçado uma boa oportunidade, e deixou-se ficar entre as copas das árvores que rodeavam a Casa onde Mike acabava de entrar, que era cor de laranja brilhante.
Parado ali, o repugnante ser dispôs-se a esperar pacientemente. Seria uma longa espera, mas isso não incomodava Aquilo.
O anjo esperava Mike no interior da Casa, mesmo à entrada. Mike quase se emocionou quando Laranja – tal como decidiu chamar-lhe – lhe falou pela primeira vez.
- Bem-vindo, Michael Thomas de Propósito Puro! Estávamos à tua espera.
- Também eu te dou as boas-vindas! - respondeu Michael embora com voz trémula, mas com a esperança de não denunciar o alívio e a falta de fôlego que estava a sentir. Conteve a vontade de abraçar a enorme ser laranja que estava na sua frente, e sentiu-se muito contente por estar novamente protegido.
- Vem comigo – pediu o anfitrião laranja, enquanto o conduzia ao interior da «Casa dos Dons e dos Instrumentos ». Mike certificou-se que a porta tinha sido fechada e seguiu o anjo. Mas ainda a tremer e assustado com a experiência que acabara de viver momentos antes. Continuava com medo e fazia a si próprio muitas perguntas sobre esta terra de assombrosos contrastes.
O anjo era esplendoroso como os seus antecessores. Uma vez mais, Mike ficou impressionado com a sua elevada estatura e grande bondade. Esta entidade fazia com que se sentisse querido e acolhido, tal como acontecera com todas as outras que tinha encontrado até agora. «Pergunto-me se todos são feitos do mesmo », reflectiu.
- Na realidade, todos somos da mesma família – comentou o anjo.
Mike sentiu-se mortificado por ter esquecido tão rapidamente como funcionava a comunicação com essas criaturas espirituais. Só pôde dizer: «Lamento». Laranja virou-se, parou e abanou a cabeça de uma maneira engraçada, enquanto Mike observava o seu rosto.
- Lamentas? – o anjo fez uma pausa e acrescentou -: Porquê? Por honrares a minha magnificência? Por te sentires amado? Por perguntares quem somos? – O anjo sorriu – Costumamos ter muitos hóspedes, Michael Thomas. De todos os que visitaram esta segunda Casa, tu és, até agora, aquele que fez o menor número de perguntas.
- O dia ainda é uma criança - disse Mike suspirando. Queria interrogar o anjo sobre o medo e o posterior pânico que tinha acabado de sentido, antes de chegar à Casa. Quem estava segui-lo? Mas o anjo sabia que ele formularia essa pergunta.
- Não posso dizer-te o que desejas saber, Michael – respondeu o anjo.
- Não podes ou não queres? – perguntou Mike respeitosamente. Sabia que a pergunta era retórica e prosseguiu - : Sei que sabes a resposta. – Mike duvidou e então pô-lo à prova bombardeando-o com uma série de perguntas: Porque não podes falar-me acerca disso?
- Tu sabes mais a esse respeito do que eu - respondeu o anjo.
- Como é isso?
- Aqui, as coisas nem sempre são o que parecem.
- Estará lá fora quando eu sair?
- Sim.
– Isso é daqui? Parece estar deslocado neste ambiente espiritual.
-Tem o mesmo direito que tu de estar aqui.
- Pode fazer-me mal?
- Sim.
- Posso defender-me?
-Sim
- Ajudas-me?
- Para isso estou aqui. – O anjo permaneceu em silêncio quando Michael interrompeu subitamente seu interrogatório.
As respostas de Laranja confirmaram que o anjo sabia tudo. Então, Mike começou a relaxar. «Se ele sabe estas coisas, então, potencialmente, há mais coisas que eu posso vir a saber. Serei paciente, porque estou certo de que tudo isso me será revelado à medida que for avançando. Parece que é assim que as coisas funcionam aqui.» De repente. Michael lembrou-se que ainda nem tinha passado uma hora desde que julgara o mapa como um objecto inútil, e como ele o tinha salvo no preciso momento em que mais precisara.
- Deus é muito actual, sabes? – disse o anjo quase a rir. Uma vez mais, tinha sintonizado com os pensamentos de Michael Thomas.
O ser alaranjado deu meia volta e começou a conduzi-lo pelas zonas interiores da Casa. Mike seguiu-o.
- Estou começando a acostumar-me a isso - comentou Mike enquanto caminhava –. Acaso se trata de obter o que é preciso justamente no momento em que se necessita?
- Algo assim – respondeu o anjo -. O enquadramento temporal humano de menor vibração é linear, Michael, mas o tempo dos anjos não é.
Obviamente, este anjo era outro mestre.
- Então, como é que vocês percebem o tempo?
Enquanto iam conversando, o anjo ia conduzindo-o através de um armazém. Um armazém? Tal como na Casa anterior, a área interior desta era enorme. Mike ficou boquiaberto ao observar dezenas de fileiras de caixas empilhadas dentro de um espaço cujo tecto devia ter uns quinze metros de altura.
- Nós não temos passado nem futuro – respondeu o anjo –. O teu conceito de tempo desenvolve-se em linha recta, e o nosso é uma plataforma giratória que se move no sentido dos ponteiros do relógio com o mecanismo em repouso. Nós conseguimos ver permanentemente toda a extensão do nosso tempo, porque está sempre debaixo de nós, pelo que nos encontramos sempre no «agora» do nosso tempo. Sempre nos movemos em volta de um centro conhecido. Dado que o desenrolar do vosso tempo é recto, e invariavelmente se movimentam para a frente, nunca chegam a experimentar plenamente o presente. Olham para trás e sabem
onde estiveram; olham para a frente e sabem para onde vão. Mas não vos é permitido experimentar um tipo de existência de ser. Pelo contrário experimentam uma existência de fazer. Faz parte da vossa vibração inferior, e está correcto para a vossa dimensão.
- Este argumento poderia explicar como funciona o vosso mapa – disse Mike, recordando que o ponto vermelho com a frase «Estás aqui» estava sempre no centro, e que os acontecimentos da sua nova existência pareciam entrar e sair de um ponto concreto. Mike pensou para si: «É exactamente o contrário de como funciona um mapa humano.»
- Exacto! – disse Laranja por cima do ombro enquanto continuava a andar -. Na vossa estrutura do tempo, o mapa é conhecido e é o ser humano que se move. Isto deve-se ao facto de perceberem o tempo e a realidade como uma constante, e o humano como a variável. Quando se aproximam da nossa estrutura temporal e da nossa vibração, o ser humano é a constante e o mapa (a realidade) variável.
Certamente, Mike tinha de reflectir sobre isto. Era difícil de entender mas, de certa maneira, era familiar. A experiência vivida na bifurcação perto da Casa Laranja tinha mostrado o exacto valor do mapa espiritual, embora fosse diferente de tudo o que ele poderia esperar. Sabia que a próxima vez que tivesse diante de si uma situação do mesmo tipo não se preocuparia até se encontrar verdadeiramente na bifurcação - então, o mapa funcionaria.
Tal como Azul, Laranja conduziu Mike através de muitas zonas de grande beleza e ornamentação, percorrendo o caminho para a área de hóspedes, alimentação e descanso. No entanto, esta esplêndida Casa continha caixas de armazém identificadas, em vez dos pequenos compartimentos da Casa dos Mapas. Também aqui os nomes estavam escritos com os mesmos estranhos caracteres de aparência árabe, ininteligíveis para
Mike. Mas deduziu, acertadamente, que em algum ponto da sala estaria uma caixa com o seu nome escrito e que, em breve, daria com ela.
- Estes são teus aposentos – disse Laranja -. Começaremos amanhã – As tuas refeições serão servidas na sala da esquerda, e podes fazer a higiene na da direita. Agora espera-te a refeição que preparámos para ti.
Dito isto, Laranja abandonou os aposentos de Mike, fechando a porta. Mike observou a porta fechada, e pensou para si: «Poderás ser um anjo, mas os teus modos deixam muito a desejar.» O anjo nem sequer tinha feito um gesto de despedida. «Suponho que não posso esperar que eles compreendam a fundo a natureza humana.
Tal como na outra Casa, Mike comeu como um príncipe. Praticamente devorou a deliciosa comida, e ficou boquiaberto ao ver a grande beleza artesanal dos utensílios de madeira. Sentia-se pouco à vontade por deixar os pratos sujos para que outros os lavassem, enquanto recordava o quanto odiava esta tarefa. Sabia que, embora não pudesse vê-los, devia haver outros seres que se encarregavam desses serviços. «Que combinação mais estranha!», observou. «Um lugar angélico, mas que também tem de atender aqueles que estão
numa vibração humana mais baixa que a sua.» Mike começou a questionar-se sobre o sistema de esgotos... e ficou atónito ao descobrir algo surpreendente:
Há vários dias que não ia ao lavabo! Nem sequer havia um lavabo! A Casa tinha zonas para tomar banho, mas nada de sanitas. Apercebeu-se de que, a partir do momento em que passara pelo umbral da porta que iniciava o caminho, não tinha experimentado a «chamada da natureza»! Algo estava a ocorrer no seu corpo nesta terra cheia de surpresas. Não se preocupava com o sistema de eliminação... mas era, certamente, uma sensação estranha.

* * *

Na manhã seguinte, Mike sentiu-se cheio de energia. Pequeno-almoço fruta fresca e diversos pães, saboreando o incrível sabor dos magníficos alimentos. Examinou a comida angélica e percebeu que era um tanto diferente, por isso pensou que devia interrogar Laranja sobre esse assunto.
- Esta é a nossa estrutura temporal – disse Laranja alegremente desde a porta da sala. O anjo acabava de chegar e tinha captado os pensamentos de Mike. E continuou a explicar -: Esta comida não pode existir na vibração mais baixa e contém atributos espirituais interdimensional. É por isso que não deixa resíduos no organismo humano, Michael. É também por isso que não pode ser armazenada. Para ela não existem nem o futuro nem o passado. Foi criada momentos antes de a ingerires, e não se conservará se quiseres levá-la daqui.
- Já descobri essa particularidade – disse Mike, recordando a repugnante massa podre no chão do caminho que conduzia à Casa Laranja, quase lhe causara problemas.
O anjo levou-o para fora da zona dos aposentos e encaminhou-o para uma enorme arena circular bem iluminada, onde havia varias caixas abertas e uns quantos bancos alaranjados, distribuídos pelo espaço para que os humanos pudessem sentar-se a descansar. Também havia outras coisas: uma espécie de altar, um pouco de incenso e alguns pacotes de estranha aparência.
- Bem vindo à Casa dos Dons e dos Instrumentos, Michael Thomas de Propósito Puro – disse o anjo olhando para ele -. Por favor, senta-te, porque passaremos aqui um bom bocado.
Este foi o início de uma larga série de sessões de ensinamento. Seguir-se-ia um período ainda maior dedicado a sessões de prática e avaliação acerca do uso dos dons e dos instrumentos numa nova vibração espiritual.
Desta forma, Mike permaneceu mais três semanas na Casa de cor laranja.
- Pouco a pouco, estás a elevar a tua vibração, Michael Thomas – disse Laranja em repetidas ocasiões, durante todo o processo de aprendizagem -. Estes são os dons e os instrumentos que te foram prometidos para te ajudarem a realizar esta tarefa. Pertencem-te devido ao teu propósito. Não poderás entrar nas Casas que se seguem sem saberes como funcionam, e muito menos chegar a Casa sem seres um perito no seu uso.
Mike prestou muita atenção. Sabia que se tratava de uma preparação para regressar ao Lar e lembrou-se que lhe tinham dito que o preparariam para isso. Laranja desenvolveu muitos dons enquanto Michael o observava.
Alguns deles pareciam ser feitos de um cristal extraordinário e, através da cerimónia e consoante o propósito, foram colocados magicamente no corpo de Mike com o fim de complementar o seu poder espiritual.
O anjo deu-lhe explicações muito completas sobre a função de todos e cada um deles, e Mike necessitou um tempo para digerir e compreender o seu significado. Depois, foi-lhe pedido que explicasse a Laranja para que serviam. Isto não era tarefa fácil, pois grande parte das provas requeriam que abordasse conceitos e usasse palavras que eram totalmente novas para Mike.
Laranja falou acerca de os seres humanos chegarem ao planeta trazendo consigo determinadas qualidades, correspondentes a diferentes planos de existência: as vidas passadas. Mike tinha ouvido falar no assunto, mas não estava preparado para o ouvir da boca de um anjo! Para ele, o normal seria ver um guru hindu, de longos cabelos, a tratar do tema, mas não um anjo. Laranja disse que as vidas passadas eram um elemento importante da condição humana e que as instruções provenientes de uma vida passada eram levadas de
uma para a outra como lições de nascimento. Estas lições eram conhecidas como «carma» embora também se denominassem «reminiscências» ou «experiências» O carma permitia a aprendizagem humana e, de certo modo, também ajudava o planeta. Assim funcionavam as coisas para os humanos, vida após vida. Laranja acrescentou ainda que, para aceder a uma nova vibração, tinha de eliminar algumas características antigas, entre as quais estavam essas lições cármicas com que tinha nascido. No caminho do Lar não havia lugar para elas, tal como não havia lugar para a comida podre, tal como descobrira no caminho.
Naquele instante, Mike visualizou-se como um monte de carne podre caído do caminho: alguém que não prestava atenção ao mestre. Mike intensificou pois a sua atenção para não criar essa situação. Que asco!
Laranja captou os pensamentos de Mike e riu-se às gargalhadas, transmitindo-lhe o seu regozijo. Mike ficou perplexo por se sentir tão próximo de Laranja. Era um maravilhoso mestre e um grande companheiro (...embora não soubesse que, por educação, se devia dizer «olá» e «adeus»!).
Mike apreendeu a dar forma a pensamentos que verdadeiramente criavam energia.
- É assim que controlas a realidade – explicou Laranja -. Usa a tua compreensão e os teus sentimentos espirituais para te impulsionar até às situações que mereces e que planeaste.
Mike não fazia a menor ideia do que isso significava, mas seguiu todas as instruções e, pelos vistos, passou todas as provas. O dom do poder espiritual de co-criação foi introduzido no seu ser, assim como o dom para desfazer-se de todos seus atributos cármicos provenientes de encarnações passadas. Cada dom foi celebrado com uma cerimónia e verbalizações, e cada um deles parecia transmutar-se do físico para o espiritual enquanto era absorvido pelo corpo de Mike, tudo isto sobre a direcção do esmerado e grande anjo de cor laranja.
Mike sentiu-se como se estivesse a estudar para algum sacerdócio sagrado! Cada vez que verbalizava o que Laranja lhe ensinara, constatava que o anjo realmente podia ver dentro do seu coração. Laranja podia ser muito intenso. Realmente, quando Mike fez promessas e verbalizou o seu propósito de obter agora este dom, depois este outro, para que lhe fossem implantadas no seu centro de poder espiritual, Laranja parecia ler a sua alma. Ao princípio, a situação foi incómoda para Mike, mas depois apercebeu-se que Laranja somente estava a fazer uma revisão integral do que ele expressava em voz alta. Se Mike tivesse fingido, Laranja teria detectado imediatamente e não teria permitido que continuasse.
Finalmente, depois de um período de duas semanas, todos os pequenos pacotes já tinham sido abertos, explicados e integrados no Eu espiritual de Mike. Entretanto, tinha passado todas as provas, entre as quais havia uma particularmente difícil: Mike tinha medo dos espaços pequenos e fechados; não sabia porquê, mas desde criança sempre sobrevinha um ataque de pânico quando se encontrava confinado a um tal espaço. Um dos dons que Laranja lhe outorgou consistiu no poder de superar essa fobia. Mike expressou a sua intenção e levou a cabo a cerimónia. Laranja explicou que a sensação de pânico que sobrevinha quando estava em
espaços fechados não passava de um resíduo cármico, e que abandoná-lo significava abandonar muitas outras experiências de vidas passadas que trouxera para a sua actual encarnação.
Vários dias depois, durante o período de preparação, abriram uma grande caixa. Em vez de algo saísse lá de dentro, Laranja pediu a Mike, de forma muito carinhosa, que entrasse nela! Quando Mike entrou para dentro da caixa, o anjo fechou a tampa e ele ficou acocorado na escuridão. Ouviu as pancadas inquietantes de cada martelada, enquanto Laranja pregava a tampa. E ali ficou, no meio do silêncio e escuridão.
Mike podia ouvir claramente a sua respiração, estando muito consciente de que estava numa situação extremamente incómoda. Inclusive podia escutar as batidas do coração. Laranja nem sequer lhe deu qualquer explicação: era outra prova em que Mike não podia fingir.
Durante uns dez segundos, o coração de Mike acelerou ao recordar o seu problema. Então, no momento preciso em que todo seu corpo deveria começar a tremer de pânico, a sensação de claustrofobia desvaneceu- se completamente e Mike relaxou. Deu-se conta, com grande satisfação, que o dom tinha funcionado.
Ao princípio o seu corpo reagira como sempre tinha feito antes, mas o seu novo espírito tinha parado a reacção.
A paz invadiu-o, e Mike cantou para si mesmo várias canções. Finalmente, adormeceu. Uma hora mais tarde, o anjo Laranja, encantado, abriu a caixa e deixou Mike sair.
- Foste extraordinário, Michael Thomas de Propósito Puro – disse o angelical ser, sorrindo de orelha a orelha.
Mike pode ver o orgulho reflectido nos olhos de Laranja -. Nem todos conseguem chegar até aqui.
Foi a primeira vez que Mike teve plena consciência de que fazia parte de um grupo de pessoas que também tinham pedido o caminho de regresso a Casa. Este feito já se tinha evidenciado varias vezes, mas até agora, Mike não assimilara o que isso implicava. Durante mais de numa noite reflectiu sobre isso, enquanto Laranja continuava a incorporar-lhe dons e começava as tirar grandes ferramentas. Durante a terceira semana de preparação, Laranja apontou para caixa grande.
- São três os instrumentos que precisas para a tua viagem – enfatizou Laranja. Dito isto, foi até onde estava essa caixa especial e abriu-a. Cada vez que Laranja abria um pacote ou uma caixa, Mike esperava expectante, sentado no seu banco, perguntando-se qual seria o objecto mágico que o ajudaria a aumentar sua sabedoria, o seu conhecimento ou o seu poder espiritual. Mas não estava preparado para ver o que Laranja lhe ia dar.
O anjo estava de costas para Mike, de modo que foi impossível ver o que ele tinha tirado da caixa. Quando o anjo se voltou para mostrar a primeira ferramenta, Mike só conseguiu ver um reflexo prateado. Não. Era incrível. Laranja segurava uma imensa espada!
- Aqui tens a espada da verdade! – exclamou o anjo Laranja, enquanto mostrava a arma a Mike.
Quando o anjo a segurou parecia grande, mas quando a passou para as mãos de Michael deu a impressão de ser enorme. Era pesadíssima e difícil de manejar. Mike não podia crer no que estava a acontecer e, dirigindo- se ao anjo exclamou admirado:
- Esta espada é real!
- Tão real como os outros dons – afirmou Laranja –. E é somente um dos três elementos externos que levarás contigo quando retomares o trajecto para as quatro Casas seguintes.
Michael segurou na espada um pouco enquanto a examinava, admirado com a sua beleza. Sim, o seu nome estava escrito nela, tal como imaginara. A arma estava profusamente adornada com elaborados desenhos em relevo, todos com um grande significado espiritual. A lâmina era comprida, e o punho estava talhado numa pedra de cor azul-cobalto brilhante. Era um objecto magnifico…. e muito afiado!
- Tenta esgrimi-la – pediu o anjo.
Michael assim fez, e a espada quase se movia sozinha! O inesperado poder da arma fez com que Mike saltasse e caísse desamparado para a frente. Sentiu-se estúpido enquanto se levantava para realizar outra tentativa.
Laranja indicou com a mão para desistir.
- Vamos ver se isto te ajuda.
O anjo foi de novo à caixa e tirou de lá outro objecto, que também emitiu um reflexo prateado. Era um enorme escudo! Mike moveu a cabeça com incredulidade. «O que significa isto? É verdadeiramente estranho.
Dons espirituais essas armas de guerra? Estão a preparar-me para uma vida passada em Camelot?»
- Nada é o que parece, Michael Thomas de Propósito Puro. – Laranja colocou-se na sua frente segurando o escudo entre as mãos. Respondendo ao confuso estudante disse: «Experimenta isto.»
Laranja mostrou como colocar o escudo no braço utilizando uma braçadeira, e deu-lhe algumas indicações sobre como equilibrar o peso da espada e o escudo, uma vez que o peso de cada um era complementar do peso do outro. E isto tornava possível movimentar a espada sem cair; portanto era fundamental aprender tudo isto.
- Michael – disse ao anjo - o escudo representa o conhecimento do espírito. Se o juntas com a verdade, o equilíbrio é todo-poderoso! A escuridão não pode existir onde há conhecimento. Os segredos não podem sobreviver na luz, e esta será criada quando a verdade for revelada através do exame do conhecimento. Não existe uma combinação mais poderosa do que esta. E ambos devem usar-se juntos.
- Há mais alguma coisa na caixa? – perguntou jocosamente Mike, cambaleando com o peso do escudo e da espada.
- É estranho que o perguntes! – comentou Laranja, e dirigiu-se de novo à caixa, enquanto Mike o observa incrédulo. O anjo pegou num objecto que era ainda maior do que os outros dois, e também de cor prateada.
- Aqui tens a armadura! – exclamou o anjo Laranja, muito divertido e quase a rir-se ao ver a expressão incrédula de Mike.
- Não entendo! – disse Mike, enquanto se sentava rapidamente no banco -. Como esperas que eu carregue com tudo isto ao mesmo tempo?
- Com a prática – respondeu o anjo -. Olha, deixa-me fazer uma demonstração.
Laranja pegou na espada e no escudo, e ajudou Mike a pôr a armadura, que era pesada e muito ornamentada: uma espécie de vestimenta cerimonial que o cobria e que se adaptava tão bem ao corpo como se tivesse sido moldada para ele. A sua confecção era perfeita! Laranja apertou as fivelas e colocou uma bandoleira com uma bainha especial para a espada da verdade. Depois ensinou-lhe como usar o pesado escudo preso às costas por um suporte, para poder ser transportado enquanto viajava. Quando tudo estava pronto, o anjo voltou a colocar-se a uma certa distância.
- Michael Thomas de Propósito Puro, agora possuis a tríade de ferramentas que te permitem passar a uma nova vibração. Já tens a espada da verdade, o escudo do conhecimento e, finalmente, a armadura do espírito, denominada «manto de Deus», que representa a sabedoria necessária para poder utilizar adequadamente os outros dois instrumentos. Amanhã retomarás a tua viagem transformado num Guerreiro de Luz.
Nesta tríade reside um grande poder. Nunca uses os seus elementos separadamente!
Laranja ajudou Mike a tirar armas e conduziu-o de novo aos seus aposentos. Uma vez ali, Mike lavou-se, comeu e foi dormir. Já na cama, passou um bom bocado questionando todas as incongruências que detectara nesta terra. Sossegou e dormiu, com muitos pensamentos contraditórios na sua mente.
Pela manhã, Mike já estava outra vez na sala de instrução. Durante vários dias, Laranja treinou-o, ensinando- lhe como usar as armas com destreza. A primeira aula foi sobre o equilíbrio. O anjo disse que Mike subisse e descesse a escada a correr, rapidamente, como se fosse travar de um combate, com a espada desembainhada e brandindo o escudo. Também lhe ensinou como cair e como levantar-se rapidamente, usando o escudo como contrapeso. Ao longo do treino, Mike notou que, apesar de serem utilizados, os instrumentos não se sujavam nem mostravam sinais ou amolgadelas.
Com a armadura posta e empunhando as armas, correu, andou, deu voltas e realizou todo o tipo de acções
e movimentos, excepto praticar combates. Gradualmente, Mike foi adquirindo uma sensação de equilíbrio, e à mediada que o tempo foi passando, repetiu-se uma estranha situação: Pela noite, quando se libertava dos instrumentos de combate, Mike não sentia a natural sensação de alívio por se ter livrado do grande peso das armas. Pelo contrário, sentia-se pequeno, indefeso, e demasiado leve!
Vários dias depois. Laranja começou a ministrar-lhe o treino final, que consistia em aprender a utilizar a espada da verdade. Mike tinha a expectativa que Laranja se transformara numa espécie de mestre samurai que lhe ensinara a combater. Mas recebera um tipo de treino que nada tinha a ver com o que imaginara.
- Agora já estás preparado para aprender a utilizar as armas, Michael Thomas – disse Laranja -. Desembainha a espada.
Mike desembainhou a voluptuosa e compridíssima espada, com a destreza e o vigor de um orgulhoso cavaleiro medieval. O anjo olhou com aprovação, e pediu-lhe.
- Agora, levanta-a para a Deus.
Michael assim fez.
- Sente a espada antes de expressares a tua verdade, Michael Thomas.
Mike não entendia o que Laranja queria dizer com aquilo. Sentir a espada? Como não senti-la se a tinha entre as mãos?
- Michael Thomas de Propósito Puro – exortou o intenso ser Laranja -, agarra a espada, levanta-a tão alto quanto poderes e expressa tua verdade. Amas Deus?
Michael já imaginava o que viria a seguir. Outra vez a mesma pergunta! Só que, desta vez, encontrava-se empunhando uma robusta arma espiritual que apontava para o céu. Acaso era esperado algum tipo de discurso?
Michael começou a verbalizar a sua já estereotipada resposta:
- Sim, Laranja, amo-o. Dado que podes ler no meu coração…. – Mas, nesse preciso momento, ficou perplexo, sem poder acabar a frase. A espada tinha começado a vibrar! Era como se a arma cantasse. Mike percebeu uma intensa calidez vibratória que lhe percorria o braço e descia até ao peito. Como resposta a esta situação, o escudo começou a zombar, e a armadura também começou a aquecer!
Fora treinado para usar facilmente aqueles utensílios, e agora, de algum modo, eles tinham adquirido vida devido ao propósito que expressara. Sentiu-se invadido pela sensação do poder destes elementos que usara e manejado. Então, lembrou-se que estava a discursar:
- Pois claro que amo Deus! – Mike empunhou a espada e levantou-a para o céu; então pôde senti-la vibrar com o seu propósito pleno de verdade. Sentiu-se poderoso. Sentiu-se iluminado. Sentiu-se capaz de permanecer mais uma hora ali, empunhando a pesada e vibrante arma e mantendo o seu propósito de regressar ao Lar, onde pertencia. Sentiu vibrar os três elementos e cantar a nota musical fá, que ressoava dentro do seu coração. As lágrimas começaram a correr pela face, à medida que ia sentindo e vendo a propriedade da cerimónia. Os instrumentos estavam a aceitar o organismo de Mike e a integrar-se dentro do seu
espírito. E o seu propósito, tão verdadeiro, era o catalizador da cerimónia! Assim, era esta a razão de ser da espada, o escudo e a armadura? Era uma metáfora. Que outra coisa podia ser, senão isso? Esta era uma explicação muito válida para Michael Thomas, porque o tinha levado a um novo nível de compromisso e consciência.
Nessa noite, o anjo Laranja e Michael Thomas trocaram sentimentos afectuosos. Mike sabia que faltava pouco para partir. Laranja nunca o ensinou a combater, porque as armas eram unicamente símbolos. Mike interrogou o anjo sobre o Lar e o Caminho. Perguntou porque é que, nesta terra sagrada e espiritual, se ensinava a manejar as armas de guerra da Terra. Laranja contornou habilmente todas as perguntas que Mike lhe fez, excepto aquelas cuja resposta podia saber; contudo, as suas respostas foram imprecisas.
- Laranja, na Terra terias sido um magnifico politico – disse Mike, brincando.
- Que te fiz para que me insultes desse modo? – respondeu Laranja devolvendo a brincadeira.
- Sinto que me une a ti um vinculo muito autêntico… - começou a dizer Mike. Mas depressa se apercebeu que ficou sem palavras. Realmente, não queria deixar este grande mestre angélico.
- Não digas mais nada, Michael Thomas de propósito Puro. Compartilharei contigo um segredo dos anjos.
Laranja tinha idealizado uma revelação exclusiva para Mike; inclinou-se para ele até que os olhos de ambos ficassem à mesma altura, e continuou:
- Tu e eu somos a mesma família. Não podemos dizer adeus porque, na realidade, um não deixará o outro jamais. Eu sempre estou contigo e à tua disposição. Já verás que assim é… e agora, está na hora de voltares para os teus aposentos.
Mike estava emocionado pela natureza franca da comunicação que estabelecera com Laranja. Afinal, eram da mesma família? Como era isso possível? Nesse momento, Mike sentiu-se ridículo ao compreender que Laranja o tinha ouvido a queixar-se que os Anjos nunca se despediam. Que resposta lhe tinha dado! Que grande revelação! Que pensamento! Assim sendo, os anjos nunca me deixarão?
Mike recordou, pela primeira vez desde que chegara à Casa Laranja três semanas antes, que, na bifurcação do caminho, Azul lhe indicara como usar o mapa. Verdadeiramente, tinha ouvido a voz de Azul dentro da sua cabeça.
- Conheces Azul? – perguntou Mike ao anjo Laranja.
- Tanto como a mim mesmo – foi a resposta deste.
Mike ficou calado e retirou-se para os seus aposentos... que cada vez gostava mais: o lugar onde comia e dormia. Embora nada de concreto ainda lhe tivesse sido dito acerca de sua partida, guardou as suas coisas nas bolsas e na mochila (quase se esquecia delas), e preparou-se para continuar a sua viagem pela manhã.
Deu uma olhadela aos livros e às fotos, suspirou de novo pelas experiências na Terra e pelas valiosas que eram os seus parcos pertences... embora, de algum modo, começassem a ficar deslocados.
De manhã, depois do pequeno-almoço, um pensativo Michael Thomas apareceu na porta da Casa Laranja, onde o anjo da mesma cor o tinha conduzido em silêncio. No entanto, desta vez, Mike ia mais carregado;
para além das bolsas com os livros e as fotos, da mochila com o mapa, levava a bolsa com o mapa e os novos instrumentos, que se chocalhavam emitindo um som metálico quando ele caminhava.
- Michael, tens a certeza de que queres levar todas essas coisas na tua viagem? – perguntou Laranja -. Talvez fosse melhor que não as levasses contigo.
- Representam todas os meus bens terrenos – respondeu Mike -. Necessito deles.
- Para quê?
Mike considerou a pergunta, mas deixar as suas malas não era uma opção.
- Para recordar e honrar minha vida anterior.
- Para continuares ligado aos estilos de vida precedentes, Michael?
Mike começava a ficar irritado pelo cariz de perguntas. O anjo insistiu.
- Por que não deixas as bolsas, Michael? Já sabes que te quero bem e que as guardarei para o caso de algum dia voltares aqui.
- Não! - Mike não queria ouvir nem um só comentário mais sobre as suas bolsas. Eram os seus pertences e queria mantê-los tanto tempo quanto possível. Neste estranho lugar necessitava de algo que lhe recordasse de quem era realmente.
O anjo fez uma inclinação de cabeça, concordando. Mike sempre fora tratado assim. Apercebeu-se que todos os anjos que conhecera honravam as decisões que tomava e jamais contestavam as suas resoluções finais.
Nessa manhã, Michael Thomas não se despediu do anjo Laranja. De pés nos degraus, frente a esse ser com quem tinha convivido várias semanas, recordou a sua explicação sobre o tema.
- Ver-te-ei em breve – disse Michael, sem crer no que estava a dizer.
Laranja simplesmente entrou na Casa e fechou a porta. «Não sei como podem fazer isto», pensou Mike para si. «Nunca há despedidas, só portas que se fecham!»
Mike iniciou o seu caminho numa direcção que não tinha tomado antes. Fazia o que podia para se manter junto das coisas que levava, dada a agoniante carga. Era demasiado carregamento: alem das bolsas e da mochila com o mapa, carregava a espada, o escudo e a armadura. Lamentava ter que suportar fisicamente esses símbolos da Nova Era! E como pesavam! «Que coisa mais parva», pensou Mike secretamente. «Devo ter um aspecto muito ridículo. Realmente, serão necessárias estas armas? Nunca as usarei para combater em nenhuma batalha. Na realidade, não saberia utilizá-las! Laranja não me ensinou. São apenas uma parte da cerimónia e somente conferem uma aparência. Não será suficiente reconhecê-las como tal?»
Como estava muito ocupado tratando de se equilibrar enquanto caminhava, carregado com o seu novo equipamento e as suas bolsas, esquecera-se por completo do problema que o esperava no caminho. Não se lembrava de que havia algo à sua espera. Então, enquanto seguia o seu caminho chocalhando involuntariamente os utensílios metálicos que levava consigo, tratando de se equilibrar, e carregando as bolsas e a mochila, a força sinistra e escura, de cor verde, observava por detrás das árvores.
A coisa examinou Mike com um interesse renovado. Já não era o antigo Mike. Tinha sido trocado por outro que tinha armas e poder! Deixara de ser fácil. Tinha de usar uma nova estratégia capaz de fazer frente a um Michael Thomas com grande poder e franqueza. O tempo se encarregaria de fazer o resto… mas, por enquanto, o ser obscuro continuaria a seguir Mike à distância, esperando uma oportunidade para atacar. Executava a sua persecução mantendo-se oculto para não ser detectado, seguindo o percurso de Michael Thomas de Propósito Puro.
Aquilo estava convencido de que este ser humano nunca chegaria à porta final, que ostentava um rótulo com a palavra «CASA».

Nenhum comentário:

Postar um comentário